É a presença do outro que dá sentido à nossa existência

Você tem percebido que está com um humor mais triste e quer entender quais os gatilhos e o que fazer para melhorar?

Você pode ter uma vida relativamente boa, segura e confortável, mas se questionar como é possível ser feliz nesse mundo e como ser leve e alegre lidando com os eventos atuais. Mas se sente que é uma vítima desse sistema desigual, de qualquer modo esse texto também é para você.

Estava refletindo como temos entrado em contato com uma avalanche de notícias de violência e descaso. Recentemente, assisti a um vídeo no stories de Alina Duran, uma pessoa muito querida que é parte da minha pequena família não consanguínea de São Paulo. Alina discorria sobre o tema da violência, afirmando que temos de “cortar o mal pela raiz”. No vídeo, Alina estava alertando que a violência é endêmica e que, embora mulheres, pessoas negras, periféricas, indígenas e LGBTQIA+ sejam os alvos preferidos, se não a impedirmos de avançar, ela logo alcançará todas as pessoas.

A conta da indiferença e descaso, um dia chega e bate na porta.

Esse vídeo de Alina me lembrou do poema de Bertold Brecht, “É preciso agir”, que diz que foram levando pessoas negras, operárias, miseráveis, desempregadas, mas ele não se importou porque ele não era negro, operário ou miserável e tinha um emprego, mas aí o levaram também: “... já é tarde, como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo.”, sentencia.

Veja, pessoa que aqui me lê: não é possível separar “eu” do “outro” e não há um “aqui dentro” e “lá fora” nem para quem vive em uma fortaleza. A pandemia veio nos provar isso, nos sujeitando ao risco de contágio, adoecimento e morte, independente de nossas condições socioeconômicas. O vírus ultrapassou todas as fronteiras, mesmo que tenha feito maior número de vítimas entre as minorias.

Violência e descaso com a vida humana são como uma besta que alimentamos e que, em algum momento, nos devorará.

Todos os seres humanos são parte do tecido essencial que compõe a humanidade e cada ação, reação, omissão de uma pessoa tem consequências na vida das outras, na sua comunidade e no mundo. Esse é um tipo de interdependência que não conseguimos nos livrar: o dono da indústria que contamina o meio ambiente compartilha o mesmo planeta com o resto da humanidade.

Afinal, existimos porque os outros existem. É a presença do outro que dá sentido à nossa existência. O princípio ético deixado por Jesus do “amar ao próximo como a ti”, da solidariedade, compaixão e desejo pela harmonia entre as pessoas está expresso na filosofia africana Ubuntu, uma daquelas palavras com um significado profundo, mas difíceis de traduzir para outras línguas além daquela cultura onde se originou.

Respeito. Cortesia. Compartilhamento. Comunidade. Generosidade. Confiança. Desprendimento. Uma palavra pode ter muitos significados. Tudo isso é o espírito de Ubuntu.

Nelson Mandela

Na tentativa de traduzi-la, nós a entendemos como “sou porque você é”. Desmond Tutu diz melhor: “a minha humanidade está inextricavelmente ligada à sua humanidade”. Segundo o arcebispo, “uma pessoa Ubuntu está aberta e disponível para as outras e entende que pertence a algo maior que é diminuído quando outras pessoas são humilhadas ou diminuídas, quando são torturadas ou oprimidas”. Ubuntu se refere a compaixão e a fraternidade, que são opostos ao individualismo e egocentrismo.

Essa interdependência salientada pelo Ubuntu nos mostra a urgência em assumirmos uma posição ética e política de colaboração e do reconhecimento de que cada pessoa é uma parte essencial no todo, de modo que merece sua existência reconhecida e seus direitos resguardados.

O conceito de Ubuntu nos ajuda a entender o porquê tudo nos atravessa: nosso interior é constantemente atravessado pelo que acontece no exterior. Se afetar pela ignorância e miséria humana é inevitável, mas espero que este texto ajude você a transformar emoções contraproducentes em ações afirmativas.

Sim, é difícil estar em contato com o que acontece no mundo e seguir se sentindo bem, se você é uma pessoa que se importa com as outras. quase E quase impossível, se você é vítima de desigualdade, preconceito e violência. Nessa realidade, há uma gravidade que nos puxa de tal modo que parece sugar toda a energia que temos. Nesses momentos, entre outras ações de autocuidado, eu busco as leituras que desde minha adolescência são meu esteio mental e emocional. Trechos como esse abaixo, costumam me resgatar destes estados:

Pesadas são, para ele, terra e vida; e assim quer o espírito de gravidade! Mas quem quiser ficar mais leve, tornando-se pássaro, tem de amar a si mesmo. É preciso matar o espírito de gravidade. Aprender a se amar. Entre todas as artes, é antes a mais sutil, a mais astuciosa, a derradeira e mais paciente.

Friederich Nietzsche, Assim Falou Zaratustra

Por isso, é muito importante identificarmos a origem do nosso mal-estar e saber que a sombra do mundo nos afeta direta ou indiretamente, mas não devemos deixá-la grudar, aderir em nós de tal modo que fique difícil respirarmos e nos movimentarmos.

Afinal, precisamos colocar nossa potência a serviço de trazer a luz da consciência ao mundo, contra as forças que nos querem impotentes. As estratégias daqueles que querem nos assujeitar é nos manter em separação, em um estado de apatia e tristeza. Por isso é necessário vencer o espírito da gravidade, investir em autocuidado e buscar o prazer e a alegria no cotidiano.

“Ubuntu não significa que as pessoas não devam cuidar de si próprias.” Afirmou Nelson Mandela. Lembre-se daquela analogia clichê do aviso de segurança do avião: em caso de despressurização, máscaras de oxigênio cairão, é preciso colocar a sua antes de auxiliar a pessoa que está ao seu lado.

Precisamos de nossas mentes sãs e nossos corpos fortes para lutar pelo que acreditamos, pelos nossos direitos e dos outros. Deste modo, pense em todas as coisas que podem ajudar a descolar essas camadas de sofrimento do seu corpo e lance mão delas agora, não permita que elas criem couraças em você.

Aqui vão algumas sugestões para você:

  1. Movimente-se: nosso corpo precisa de movimento diariamente para se manter vigoroso e forte;
  2. Se desafie a fazer coisas que preparem seu corpo e sua mente para os desafios;
  3. Respiração consciente: ela é sua aliada em mudança de estados emocionais porque altera seu foco do exterior para o interior, oxigena o sangue e o cérebro, ajudando a melhorar as sinapses;
  4. Pílulas diárias de humor: como dizia Paulo Gustavo, “rir é um ato de resistência, o humor salva, transforma, alivia, cura e traz esperança”;
  5. Veja arte, faça arte: a arte nos resgata da gratuidade da vida, nos coloca em contato com aspectos mais profundos de nossa vida interior e pode nos inspirar a “dar forma ao mundo e criar”, sendo também um instrumento político;
  6. Estimule sua criatividade e raciocínio e busque ver as situações por perspectivas diversas e se expresse;
  7. Busque companhia e apoio em outras pessoas e dê apoio para quem está sofrendo;
  8. Ame e demonstre seu amor sempre que possível;
  9. Entenda que aquilo que não te destrói, te fortalece e treine, mais do que a resiliência, a capacidade de se tornar melhor a cada situação ruim que lhe acontece;
  10. Se engaje social e politicamente, faça valer seus direitos, lute pelos direitos dos outros.

E para finalizar, deixo as palavras do velho, louco e sábio filósofo Friedrich Nietzsche:

Creio que aqueles que mais entendem de felicidade são as borboletas e as bolhas de sabão... Ver girar essas pequenas almas leves, loucas, graciosas e que se movem é o que, de mim, arrancam lágrimas e canções. Eu só poderia acreditar em um Deus que soubesse dançar. E quando vi meu demônio, pareceu-me sério, grave, profundo, solene. Era o espírito da gravidade. ele é que faz cair todas as coisas. Não é com ira, mas com riso que se mata. Coragem! Vamos matar o espírito da gravidade! Eu aprendi a andar. Desde então, passei por mim a correr. Eu aprendi a voar. Desde então, não quero que me empurrem para mudar de lugar. Agora sou leve, agora vôo, agora vejo por baixo de mim mesmo, agora um Deus dança em mim!