Quem você é nas Redes Sociais?

Quem é essa pessoa que você apresenta nas suas redes sociais? Ela é quem você realmente é ou quem você gostaria de ser?

Há quase quinze anos eu participei da publicação do livro Crimes na Rede – O perigo que se esconde na Internet, a convite da minha irmã, a perita digital Arlete Muoio, uma das precursoras na denúncia de crimes virtuais. Naquela época, o Iphone ainda não havia sido lançado, o Orkut, hoje tão vilipendiado era o “queridinho” e o Facebook era ainda um bebê e não uma corporação multibilionária detentora de duas outras redes sociais.

Desde então, eu já conhecia os riscos evidentes e podia imaginar o que estava por vir, de modo que sempre procurei usar a Internet e as redes sociais com discernimento e prudência, mantendo minha privacidade e segurança dos meus dados até onde isso é possível.

No processo de pesquisa de campo para o livro, tive de mergulhar com ela nos escaninhos obscuros da rede e entrar em contato com pessoas que já apresentavam comportamento compulsivo ou de autodestruição reforçado pelo que encontravam na Internet, além dos mais indigestos temas que circulavam nos meandros da rede, hoje chamada deep web.

Um dos assuntos que entramos em contato foi com a vida (e morte) da precursora dos sites que faziam apologia a anorexia e bulimia no Brasil. Mas essa realidade eu já tinha enfrentado em meados de 1984, bem antes de termos acesso à Internet, quando acompanhei a minha vizinha, a mãe de uma adolescente, em sua luta para tratar sua filha que apresentava esse transtorno. Um ano antes, a cantora Karen Carpenter morrera de insuficiência cardíaca em decorrência da anorexia nervosa.

Nessa comparação, quero reforçar que a Internet é somente um espelho do que já existia no mundo antes de seu surgimento: o reflexo de sintomas, perversidade e relações de poder. Ela só facilitou os trâmites da informação, reforçou o anonimato e garantiu a impunidade de muitos que lucram com a vulnerabilidade e desgraça alheia.

Após a publicação desse projeto, que me demandou grandes quantidades de energia psíquica e emocional, senti a necessidade de tentar dar minha contribuição na conscientização do uso da Internet e, por isso, mantive um blog por um curto período, intitulado Consciência na Rede.

A premissa do blog era convidar leitores a assumirem responsabilidade individual sobre suas escolhas dos caminhos virtuais que percorriam e o que compartilhavam. E, desse modo, tentar contribuir para a construção de uma rede mais transparente, justa e sustentável, que permitisse que as pessoas a utilizassem de modo afirmativo e não reativo, mantendo sua saúde mental e tendo mais benefícios que prejuízos.

Olhando agora, após o período sombrio no qual mergulhamos nos últimos anos, essa tentativa me parece bastante ingênua, tímida e um pouco frouxa, porque reconheço que eu também já fui capturada por esse sistema que nos assemelha a ratos na gaiola, completamente dependentes das facilidades proporcionadas pela tecnologia. Com as redes sociais, nos vemos presas no gesto de fazer girar nossos feeds em um movimento contínuo, as vezes por horas a fio. Não é à toa que no Instagram, os carrosséis são mais apreciados, porque horizontalizam o gesto vertical que já se tornou tão comum para nós.

A diferença é que o rato está se exercitando e se divertindo naquele movimento na roda, em sua pequena prisão. Afinal, não há muito o que ele possa fazer além disso. Já nós, que temos o universo aos nossos pés, sofremos nessa prática viciosa e alienante, em um processo de constante comparação e perda de sentido de nós mesmas e rebaixamento da vida.

Por eu ter me percebido na captura e por ter encontrado modos de criar linhas de fuga, além do fato de acompanhar tantas mulheres nos últimos 5 anos, me sinto autorizada a falar sobre esse tema novamente. No meu caso, o Pinterest roubou grande parte do meu tempo em planejamento de projetos que não saíram das inúmeras pastas que eu ia separando, em uma bela galeria infinita de imagens. Veja, não estou criticando a ferramenta em si, que pode se tornar uma grande aliada dos seus projetos, mas sim o fato de que muitas vezes, assim como na vida, encontramos tanto prazer no planejamento e nos viciamos tanto nela, que esquecemos de colocar as coisas em prática. E a vida passa.

De um modo geral, a proposição das redes sociais é ótima. O uso que fazemos dela e que permitiu nos tornarmos produtos e transformar nosso tempo e nossos dados em moeda de troca para o lucro de grandes corporações é que nos coloca em apuros. Mas de quem é a responsabilidade? E por que seguimos alimentando esse sistema?

O senso comum culpa os algoritmos e há muitos argumentos de que nos tornamos versões das personagens de 1984, livro distópico e premonitório de George Orwell, publicado em 1949 e cujo premissa deu origem ao experimento social televisionado Big Brother.

O Big Brother, que eu confesso nunca ter assistido, mas que acabo acompanhando exatamente pelas mídias sociais, foi popularizado por um certo voyeurismo natural do ser humano. Perde-se o tempo da própria vida acompanhando a vida alheia. Mas não é só sobre isso: é um verdadeiro cenário sociológico e palco de diatribes e comportamentos que espelham o que acontece na nossa realidade, o que ficou evidente nessa última versão.

E como a todo voyeur corresponde um exibicionista para haver uma relação consentida, nas redes sociais nos tornamos também personagens voluntárias de um Big Brother editado de nosso próprio cotidiano, mostrando o que queremos que as pessoas vejam ou disseminando nossas opiniões, enquanto vamos voluntariamente nos tornando produtos semióticos.

O fato é que o outro nos vê como nunca nos vemos, porque é sempre de uma perspectiva diferente, a partir de sua estrutura de pensamento, cultura e linguagem. Assim como o outro nunca nos vê como nos vemos. Então temos um paradoxo estranho: sempre que você posta uma imagem ou publica um texto na internet com uma intenção ou legítima necessidade interior, assim como uma das participantes do Big Brother quando se expressa, imediatamente o resultado se desdobra em versões infinitas, tantas quantas sejam as pessoas que entrarem em contato com o conteúdo. Isso é automaticamente absorvido pelo sistema como informação utilitária e, do mesmo modo como acontece “na casa”, pode revelar quem você é ou pode ser subvertido e usado contra você dos dois modos, ainda funcionar como reforço negativo para alguém.

A Internet é um universo fractal de variações de um mesmo tema, ou das inúmeras possibilidades de cada evento, de modo que a frase “o que cai na rede é peixe” se torna uma profecia. E a indústria dos memes facilita a apropriação, replicação instantânea e disseminação de algo muitas vezes fora do seu contexto original. Ou seja, você perde completamente o controle sobre qualquer conteúdo tão logo o publica, porque ele passará pelo crivo de cada uma das pessoas que o consumirem. E a simples ação de publicar, ver publicações dos outros, curtir, comentar ou compartilhar, já nos captura no sistema e reforça nosso caráter de coisa (nos coisifica).

E nesse ponto do nosso estado de “coisa”, nesse processo de desumanização de nós mesmas é que eu queria chegar.

É bastante conhecido o efeito das redes sociais na construção (ou deterioração) da autoimagem e autoestima das mulheres. Não vou entrar em detalhes agora, somente gostaria de chamar você a algumas reflexões.

Quem é essa pessoa que você apresenta nas suas redes sociais? Ela é quem você realmente é ou quem você gostaria de ser? De quem é essa vida que você mostra nos recortes que faz de seu cotidiano? Quantas vezes você se pegou “arrumando” algo para fotografar com seu celular para postar em suas redes sociais? Quantas horas por semana você passa “deslizando o feed”, seja para se distrair, “relaxar” ou buscando algo indefinido? Após algum tempo navegando você sente: tristeza, vazio, sensação de não pertinência, sensação de inadequação, agitação mental, ansiedade? Você já se pegou desejando mudar algo no seu rosto ou corpo após passear pelo feed? Sentiu desejo por coisas que antes não observara ou preocupações que não estavam presentes?

Veja bem, antes da internet e das redes sociais, havia revistas e televisão. Nós já tínhamos nosso desejo capturado por elas e pela propaganda. A diferença é que hoje isso é customizado especialmente para você, de modo que quando vê algo, isso se baseia em diversas informações que você já forneceu voluntária ou involuntariamente para o sistema, como idade, localização, status social, interesses. Então, não é o algoritmo que está escolhendo por você, adivinhando seu pensamento e “facilitando sua vida” e sim sua navegação que tem alimentado o eterno ciclo de falta e reparação, busca e frustração, onde você é produto e consumidora ao mesmo tempo.

Se você sente que alguns perfis ou páginas que segue reforçam ideias negativas sobre seu corpo, alimentação ou estilo de vida, ou fazem com que se sinta mal sobre si mesma, fuja deles como “diabo da cruz”.

Uma dica para começar a esboçar suas próprias linhas de fuga dessa captura: invista em seu autoconhecimento. Sim, é investimento a longo prazo, mas com retorno garantido e vitalício.

Em tempo, recomendo o documentário O Dilema das Redes, da Netflix e o livro “Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais”, escrito por um dos participantes, Jaron Lanier que comentarei no próximo post (que esse já ficou gigante).